A REVOLUÇÃO DE ABRIL - 1
Abril-revolução, soltaste um povo
Que estava subjugado nas ideias;
Partiste os duros elos, as cadeias,
És berço dum país que surgiu novo
Um povo que porém por ti não verte
As lágrimas felizes desse dia;
Que hoje quase te julga à revelia
Quando ele é que ficou demais inerte
Não soube escorraçar o mau político
E deu aos novos-ricos todo o apoio
Sem distinguir o que era trigo ou joio
Permanecendo apático e acrítico
Que ralha por haver insegurança
Justiça moribunda ou sem sentidos,
Mas vota num ou noutro dos Partidos
Que acordam estas leis em aliança
Um povo que adormece ante os vilões
Que roubam ou que ganham as riquezas,
Dizendo não sobrar pra outras mesas
Que vêem congelados seus quinhões
Um povo ainda igual ao de Junqueiro
De males suportando a toda a hora,
Que em vez de reagir vai sem demora
Levar o votozinho bem lampeiro
E dizem mal de Abril... são inverdades!
Abril tinha de dar-se. E muito bem!
Abril não é culpado. A culpa tem
Quem não sabe mudar... mentalidades!
Quem soube ver o antes e o depois
Verá sempre na data um talismã;
Hão-de vir nuvens, chuvas, luas, sóis,
Que nunca esquecerá essa manhã!
Joaquim Sustelo
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A REVOLUÇÃO DE ABRIL - 2
Deu-se o vinte e cinco em madrugada clara
Um perfume novo nos chegou dos céus;
Era todo um povo com uma nova cara
Sonhando os seus dias no "depois do adeus" (*)
Fora a noite longa com horas tão feias
Uma noite de anos, suplícios, terror,
Que pra trás ficava no pó das ideias…
A Pátria era livre respirando amor!
Mas “eles” cá estavam escondidos ou não
Espreitando à janela que leva ao poder,
Com todas as armas (menos da razão)
A ver se faziam novo anoitecer
E tinham as garrras. E tinham as asas
Voando à Justiça seja quando for
Poupando em impostos compravam as casas
Usando dinheiros por um off-shore
Fecharam empresas dizendo-as falidas
Pondo em desemprego centenas, milhares!
Mas lá na Suiça e em ilhas escondidas
Recheavam contas longe dos olhares…
E os que mais mandavam, os seus aliados,
Congelando ao povo salários, quinhões,
Consentiam que outros fossem contemplados:
- Prémios escandalosos que eram de milhões
Foram trauteando as palavras novas
“Paz”, “democracia”, “objectivos”, “metas”...
Poesia barata, sempre as suas trovas,
Não lhes deu Cupido do amor as setas
Perante o que fazem dia a dia noto
Que ainda cá temos muita gente reles…
Deram-me contudo, uma arma, um voto;
E hoje vou às urnas... e não voto neles.
Joaquim Sustelo
(*) “E depois do adeus” é uma canção de Paulo de Carvalho, que serviu de senha para os militares saírem de Santarém para Lisboa. Mais tarde, para saberem entre eles que estava tudo bem, seria passada na rádio a “Grândola, Vila Morena” de José Afonso.